Na literatura ou no cinema, a bilionária franquia Harry Potter é um fenômeno que merece respeito, mesmo para aqueles que abominam obras de fantasia. As sete publicações e os oito filmes renderam dividendos astronômicos à sua autora, J.K. Rowling, e aos produtores de cinema envolvidos, por transcender a fronteira do infantil e alcançar todas as idades.
Embora essa premissa não seja um sinônimo de qualidade, é louvável que uma série mantenha o seu público crescente por uma década. Por esta razão, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 é considerado o blockbuster mais aguardado do ano, o que se comprova pelos ingressos esgotados antes mesmo de sua estreia e nas insuspeitas lágrimas derramadas por convidados durante a exibição para a imprensa.
A primeira parte do confronto entre Harry Potter (Daniel Radcliffe) e Lorde Voldemort (Ralph Fiennes) deixou uma série de perguntas a serem respondidas nesta produção. Como se viu ao final do filme anterior, o vilão consegue roubar a poderosa “varinha das varinhas”, uma das tais relíquias da morte, ao lado da Capa da Invisibilidade e da Pedra da Ressurreição.
Enquanto isso, Potter, ajudado por seus inseparáveis amigos Hermione (Emma Watson) e Rony (Rupert Grint), tenta destruir as Horcruxes, objetos que contêm partes da alma de Voldemort. Sem encontrá-los, como é contado em Harry Potter e o Enigma do Príncipe, o jovem mago não conseguirá sobreviver à profecia: “Nenhum dos dois poderá viver enquanto o outro estiver vivo” (A Ordem da Fênix).
Embora as competentes cenas de ação devam ser devidamente registradas, o roteiro ampara-se na conduta dos personagens. Caráter, lealdade, fraternidade e questionamentos causados pela escolha entre o bem e o mal são as pedras fundamentais desta derradeira sequência. Mais do que matar Voldemort, a missão do protagonista tenta imprimir a solidez moral dos envolvidos.
No decorrer de uma década, os atores Radcliffe, Grint e Emma Watson mostraram uma evolução em suas habilidades dramáticas – ela, em especial – que dão vigor ao conflito que se assiste na tela. No entanto, o que realmente convence a audiência é a colaboração especial de atores consagrados do cinema e teatro inglês em toda a trajetória do herói. Helena Bonham Carter, Ralph Fiennes, Michael Gambon, John Hurt, Gary Oldman, Kenneth Branagh, John Cleese, Imelda Staunton, Emma Thompson, Fiona Shaw, Alan Rickman, Maggie Smith, David Thewlis e Julie Walters são exemplos de quem levou credibilidade à trama.
Uma manobra muito bem-pensada pelo produtor David Heyman, que já imaginou levar aos cinemas a obra de J.K. Rowling em 1997, antes mesmo de ser publicada. Em entrevistas, ele chegou a confessar que não imaginava que a franquia faria tanto sucesso. Quem vê crianças e adultos falando um pseudolatim, como o “expelliarmus!”, nas filas de cinema também não imaginaria.
Deixando de lado os efeitos visuais e as boas interpretações, a adaptação dos livros sempre suscitou certas críticas, muitas delas feitas pelos próprios fãs da publicação. Embora captassem a essência, os filmes suprimiam detalhes importantes da história. O maior exemplo disso é Harry Potter e a Pedra Filosofal, cuja narrativa mostrou-se fragmentada para o espectador.
Os acertos vieram depois, como no competente O Prisioneiro de Azkaban, conduzido de forma sombria pelo diretor mexicano Alfonso Cuarón (de E sua mãe também). David Yates, que assumiu a franquia desde A Ordem da Fênix (o quarto livro), também deve ter reconhecidos seus méritos pelo O Enigma do Príncipe, embora peque nesta última parte. Harry Potter e as Relíquias da Morte, com um todo, é vigoroso e responde às perguntas centrais da trama, porém deixa arestas sem aparar.
Deixando de lado os subterfúgios simplórios utilizados pela autora para finalizar sua obra, há questões que permanecem neste desfecho. Uma delas é a aparição destemida do personagem Neville Longbottom (Matthew Lewis), entendida no livro, mas pouco razoável aqui. Outra é a pouca importância que se dá à Pedra da Ressurreição – uma das relíquias -, que simplesmente desaparece durante as cenas.
Pode-se entender que, devido à complexidade e volume do livro, a adaptação não deva se ater a preciosismos literários. E isso é razoável. Porém, privar o espectador de contextos convincentes é, no mínimo, perverso.
Isso sem contar certas dúvidas que o próprio livro traz à tona, como, por exemplo, o fato de Dumbledore não conseguir subjugar (não matá-lo, claro, por causa da Horcruxes) Voldemort no enfrentamento final de A Ordem da Fênix. Afinal, ele já possui a mais poderosa das varinhas que, por si só, já aniquilaria qualquer inimigo. E o que dizer sobre a questionável passagem de Belatriz Lestrang (aqui, Helena Bonham Carter) e os Comensais da Morte na casa dos Wealeys, quando Harry e Gina (Bonnie Wright) estavam sós (O Enigma do Príncipe)? Por que não os levaram?
Não se pode negar que a história do bruxo desperte emoções tanto nos atores que cresceram à sombra dele ou no público, ávido pelos conflitos. Daniel Radcliffe chegou a afirmar à imprensa que o sucesso trazido pelo personagem, no fim, conduziu-o, numa época, até ao alcoolismo. Hoje, aos 21 anos, ele já prefere uma vida caseira, longe dos vícios.
Harry Potter é um fenômeno. Pessoas vestidas como estudantes da escola fictícia de Hogwarts são comuns em filas de cinema. Nenhuma franquia conseguiu tão longo sucesso. O cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues afirmava que pessoas podiam “fugir de seu odiento claustro doméstico para um mergulho escapista na fantasia”. Os livros e filmes de Rowling proporcionam isso. Daí o choro insuspeito no escuro do cinema
-> Texto de Rodigo Zavala, do blog CineWeb.
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